Degradação por degradação, nenhuma degradação é mais degradação do que a degradação da condição humana de pessoas idosas na sociedade contemporânea. Dado demográfico e sociológico mais importante do final do século 20, o envelhecimento das populações é produto de um fenômeno biossocial até então pouco estudado: o da longevidade humana.
Estima-se que existam no país algo como 21 milhões de pessoas idosas, compulsoriamente aprisionadas na subumanidade de suas vidas. Idosos no Brasil não vivem. Sobrevivem ou simplesmente vegetam numa socialidade pervertida pela expropriação econômica incidente no segmento da cidadania idosa.
Exclusão econômica puxa a exclusão social e essa ciranda desumana acaba por comportamentalizar socialmente as pessoas idosas em uma cidadania de terceira classe, governadas por estereótipos, crenças e mitos retroalimentadores de resignações e conformismos compreensíveis. Confinados nos asilos da vida, cumprem pena de vida entre o silêncio de suas solidões e a morte.
Vigências insignificantes de ética social e econômica, mais a despolitização da questão, e os resultados têm sido alarmantes: o Brasil linearmente atira pela janela do desperdício um PIB monumental superior ao de muitas áreas metropolitanas nacionais ao desprezar a inserção economicamente ativa das pessoas idosas sadias que poderiam estar gerando riquezas e evoluções sociais correlatas.
Qual a gênese de todas essas monstruações vinculadas à idosidade humana? Alguns aspectos têm abordabilidade simples: a) crescimento populacional sem adequado controle de natalidade; b) vigência desde o final do século 19, ano de 1889, de inovação jurídica no campo trabalhista que se espalhou pelo mundo inteiro como mágica política: o instituto da aposentadoria inventado na Alemanha de Otto von Bismarck para acalmar conservadoramente ideias socialistas que então varriam a Europa.
Essa pretensa inovação trabalhista _ a institucionalização da aposentadoria _ simplesmente inaugurou a mais vasta reserva de mercado econômico-social de que se tem conhecimento na história da humanidade: privilegia com tutela estatal até hoje jovens economicamente ativos e condena pessoas idosas à desumana expropriação econômica, discriminando-as como seres inservíveis, com prazo de validade social vencido, ou seja, a aceitação hipócrita da antropofagia econômica e discriminação social que fingimos detestar.
Que fazer diante das aleivosias grudadas na questão etária por mais de cem anos? Suporíamos, de imediato, uma revisão adequada, no Brasil, das 117 cláusulas do Estatuto do Idoso vigente desde 1997, uma louvável declaração paternalista de amor aos idosos mas, hoje, reduzida a simples carta de boas intenções, de obsolescência visível, defasada no tempo e no espaço.
Veremos que o holocausto etário sub-repticiamente vigente na sociedade prescinde de uma teologia da alteridade ou de outras manipulações retóricas para que atinjamos parâmetros de socialidade modernos. Comportamento assim seria trocarmos o purgatório pelo inferno. Exatamente como está politicamente bem exposto nos avisos em placas de aço escovado dos acessos das estações do metrô de Estocolmo, na civilizada Suécia: “Existe um motivo especial para você tratar com deferência o cidadão idoso _ é que um dia também o seremos”.
*Artigo publicado em 2016 pela Associação dos oficiais de Justiça do Rio Grande do Sul.