Por Luciana Oliveira
Flores, do escritor português Afonso Cruz, é um daqueles livros que mexem com a gente de um jeito muito especial. Ele é narrado por um personagem que começa uma amizade improvável com seu vizinho idoso – o Sr. Ulme – que sofre de amnésia. Essa amizade inesperada acaba guiando o leitor por uma jornada de reflexão sobre memória, passado e os laços que formamos ao longo da vida.
O senhor Ulme é uma figura ambivalente: ao mesmo tempo em que parece aceitar passivamente a ausência de lembranças, atormenta-se com as notícias do caos mundial da atualidade. A dicotomia se dá pela presença do narrador, um jornalista que vive com a filha e a mulher numa relação cheia de incômodos. O contraste dessa amizade fica cada vez mais claro: enquanto um homem não tem passado e não se lembra do amor, o outro sofre com o presente e com a consciência da rotina que a cada dia destrói sua relação.
Com o intuito de ajudar a reconstruir as lembranças de seu vizinho, o jornalista segue rumo a aldeia Alentejana onde nasceu e cresceu o senhor Ulme e, a partir das descobertas, a relação entre os dois e as reflexões sobre suas vidas vai dando o tom da obra. Reflexões sobre relacionamentos, amizade, sociedade e como construímos (ou destruímos) nossa identidade estão presentes ao longo de todo livro.
Flores trata da tentativa de encontrar um sentido nos detalhes do cotidiano, nos pequenos gestos e nas relações que cultivamos. Afonso Cruz nos faz pensar sobre como as memórias – ou a ausência delas – moldam quem somos e sobre como as lembranças são, muitas vezes, tudo o que nos resta.
Boa leitura!