Por Yumara Vasconcelos
Um dia desses escutei, em um bate papo informal, um trabalhador (de 54 anos) compartilhar a sua insatisfação com a organização em que trabalhava. Historicizando a sua vida profissional “naquele lugar” (expressão usada por ele, que revela distanciamento e despertencimento), afirmou não entender as razões para a mudança de tratamento da alta administração. Afirmou que a abordagem se tornou “em certa dose” desrespeitosa (enquanto falava, percebi hesitação e atitudes de negação).
Disse que se sentia excluído de algumas decisões em sua área de atuação (gestão), o que antes não acontecia. Contou que, aos poucos a sua autonomia foi esvaziada. Ao mesmo tempo, percebeu a aproximação de colegas mais jovens com o pretexto de aprender o serviço e ganhar mais experiência. Alguns, inclusive, forçavam um tratamento gentil, o que para ele era bastante desconfortável.
Falou que passou a escutar piadas protagonizadas por “velhos gagás” e críticas severas quando esquecia de realizar algum procedimento. O detalhe é que ele era o mais velho da equipe.
O estilo da comunicação também mudou, tornando-se mais formal e distante. Tentarei fazer uma descrição de fala o mais precisa possível: “É como se não fizesse mais parte da coisa toda. Eu fui excluído ao ponto de desenvolver o medo de ser demitido. Isso está me consumindo, adoecendo!” A exaustão emocional era visível.
Após o desabafo, perguntei:
- Aconteceu qualquer conflito entre você e algum membro da administração, ou mesmo, entre colegas?
- Observou alguma mudança em seu desempenho que pudesse desencadear insatisfação por parte deles (não que a ocorrência justifique moralmente qualquer tratamento indigno)?
- Algum possível motivo para quebra de confiança?
Segundo ele, o desempenho era satisfatório, sem alterações significativas. Alegou não ter havido qualquer entrevero. Aliás, destacou que percebeu uma indiferença gradativa da cúpula às suas opiniões. Dias depois de nossa conversa, desesperado, me telefonou dizendo que fora demitido sem justa causa, tal como “intuía” e temia.
A expectativa do contrato de emprego é a estabilidade e a continuidade do vínculo. A despedida é exceção. Todo desligamento involuntário é pesaroso, razão pela qual deve ser realizado com respeito, gratidão e reconhecimento da história e contribuições do colaborador ao longo de seu período de permanência.
No que diz respeito aos eventos que antecederam a demissão do trabalhador, ao que parece um ritual de transição, devo dizer que há indícios de etarismo. Considerando que não podemos fazer um juízo definitivo sem o devido aprofundamento do caso, me limitarei a discuti-lo na superfície dos indícios.
O empregador tem o benefício de comando. A posição do empregado ou empregada na relação de emprego é de insuficiência, tendo em vista a sua subordinação, que é fundamentalmente jurídica. O que isso significa? Significa que o empregador tem o poder de gestão (diretivo), desde que operada sem excessos e em conformidade legal.
A relação de trabalho deve ser conduzida, respeitando-se estritamente o contrato de emprego e as normas trabalhistas vigentes. Dito de outra forma, o exercício do poder patronal não é pleno, mas restrito às disposições contratuais.
A subordinação do(a) empregado(a), entretanto, não afasta o seu poder de resistência. O(A) laborista poderá se opor às práticas de ilegalidade ou excessos, à vista das normas trabalhistas. Em alguns casos, a oposição é, inclusive, autorizada por lei.
Em resumo, o empregador tem o poder para:
- organizar e estruturar a atividade;
- estabelecer normas internas e diretrizes;
- alocar pessoas, nos limites das cláusulas contratuais e das normas aplicáveis;
- admitir, promover e demitir;
- dirigir e acompanhar a prestação;
- fiscalizar o processo e resultado do trabalho;
- aplicar sanções administrativas (poder disciplinar), orientando-se pelas balizas da razoabilidade e da proporcionalidade, afinal assume um risco do negócio.
Com essa breve explicação quero destacar que abusos no exercício do poder diretivo não devem ser admitidos em qualquer hipótese no âmbito dessa relação. A dignidade do trabalhador deve ser respeitada, o que impõe limites à atuação gerencial. Para além disso, em torno da relação jurídica de trabalho, seja ela de qual natureza for, giram em torno de vidas.
Mas, qual a conexão entre etarismo e o assédio moral? Costumo definir o assédio moral como uma moldura (de configuração). As imagens que se enquadram nessa moldura são as diversas violações à dignidade da pessoa humana. O etarismo pode se adequar a essa moldura, se preenchidos os requisitos para tal:
- repetição ou progressão da intensidade da conduta (abordagem impertinente, ofensiva, moral e socialmente censurável);
- repercussão lesiva (dano moral);
- intencionalidade e/ou consciência do fato violador.
Retornemos à análise do caso: O primeiro indício de etarismo é a possível correlação entre idade e a progressão das abordagens preconceituosas e constrangedoras (falas capacitistas e discriminação recreativa). O segundo indício foi a diminuição da autonomia gerencial (decisória) sem motivação relevante. A terceira evidência foi a aproximação profissional de alguns pares (mais novos) para transferência de conhecimentos e experiência (know-how), uma espécie de ritual de transição.
A mudança no estilo de comunicação, mais afastada e fria, diria até que impessoal, fortaleceu a percepção do trabalhador de que não mais pertencia àquele lugar. Em decorrência dos fatos narrados, há fortes indícios de assédio moral com motivação etarista.
Encerro esse texto com uma reflexão. O desligamento (ou demissão) é um momento difícil para o trabalhador, especialmente para aqueles mais velhos, uma vez que poderá implicar uma ‘aposentadoria forçada’, considerando as barreiras sociais de recolocação. Não vivemos para nós mesmos. As nossas atitudes e comportamentos repercutem muito além do outro à nossa frente, para o bem ou para o mal.