Por Ana Pupo
Nas aulas que envolvem práticas artísticas, é comum que os participantes enfrentem o sentimento de frustração, seja pela sensação de incapacidade, pela dificuldade em concluir o trabalho ou pelo resultado que não corresponde às expectativas. O desânimo causado por uma pintura mal-sucedida ou um desenho incompleto pode afetar qualquer pessoa, mas, quando se trata de pessoas idosas, isso pode ser ainda mais marcante. Embora se pense que um cérebro amadurecido possa lidar com a frustração com mais facilidade, é importante reconhecer que as emoções associadas a esse processo podem ter um impacto significativo nessa faixa etária, trazendo à tona reflexões mais profundas sobre o envelhecimento e a superação pessoal.
Muitas vezes, as pessoas idosas passaram por uma vida inteira sendo orientadas a buscar sempre o acerto, encarando-o como uma verdade absoluta. Esse processo de constante busca pela perfeição e pelo cumprimento de normas é algo que começa desde a infância, em casa, e se intensifica no ambiente de trabalho. No mundo corporativo, por exemplo, a ênfase na produtividade e na eficiência muitas vezes exige que as pessoas sigam métodos rígidos e focados na quantidade de acertos, desconsiderando o valor do erro ou da tentativa.
Quando essas pessoas se deparam com atividades como desenhar ou pintar, que não fazem parte do cotidiano de muitos adultos, a frustração pode ser ainda mais intensa. A grande maioria da população adulta nunca teve a oportunidade de se dedicar a atividades artísticas de forma livre e sem julgamento. Desenhar ou pintar são práticas que raramente fazem parte da vida profissional ou pessoal de quem não está inserido no campo artístico. Assim, muitos passam boa parte da vida adulta sem explorar essas formas de expressão, o que pode aumentar o sentimento de insegurança ao se depararem com uma tela em branco ou um desenho inacabado. Essa falta de familiaridade com a arte, somada à pressão por resultados perfeitos, gera um bloqueio emocional que pode ser difícil de superar, principalmente para aqueles que carregam uma bagagem de vida pautada pela busca incessante de acertos.
A autora e professora americana Lynda Barry, em uma de suas entrevistas, aborda um tema importante: ‘Por que as pessoas têm medo de desenhar?’. Segundo ela, o medo de desenhar muitas vezes está ligado à vergonha do resultado final. À medida que crescemos, passamos a nos preocupar excessivamente com a ‘qualidade’ do que estamos criando, e, por não conseguirmos retratar com precisão o que imaginamos, acabamos desistindo. Esse medo do julgamento, seja próprio ou dos outros, faz com que a experiência artística seja vista mais como uma tarefa de sucesso ou fracasso, em vez de uma forma de expressão livre e criativa. A pressão por perfeição é internalizada, o que bloqueia o processo natural de exploração e descoberta que é essencial para a arte. Quando isso acontece, as pessoas perdem o prazer de criar e, muitas vezes, abandonam atividades como o desenho, não porque não têm habilidade, mas porque deixam de lado a ideia de que o valor está no processo e não no produto final.
Por essa razão, o foco principal nas atividades de pintura e nas artes em geral deve estar sempre no processo de tentar. É fundamental que as pessoas se permitam tentar, independentemente da idade – seja criança, adulto ou idoso. Tentar é, em si, um ato de coragem. Fazer arte, praticar o desenho, aprimorar as habilidades manuais são práticas que, ao longo do tempo, foram sendo deixadas de lado. No entanto, é crucial lembrar que o processo artístico é, acima de tudo, um exercício de liberdade. A arte nos oferece a oportunidade de criar algo do zero, sem limitações, de colocar nossos pensamentos, emoções e experiências em formas tangíveis.
Criar, desenvolver, deixar nossa marca no mundo por meio da arte é uma das expressões mais profundas da humanidade. A antropologia, por exemplo, vê o ser humano como um ser pensante, justamente porque é capaz de produzir arte, de criar. Esse impulso criativo é um dos elementos fundamentais que nos distingue. Ao nos permitir experimentar, sem pressa de atingir a perfeição, encontramos maneiras únicas de expressar nossos sentimentos, pensamentos e perspectivas de forma genuína e pessoal. A prática artística, assim, é muito mais do que uma técnica: é uma jornada de autodescoberta e conexão com o mundo ao nosso redor.
Muitas vezes, ao longo da vida, negligenciamos a arte em nosso universo pessoal e, ao chegar à terceira idade, nos vemos frustrados e com medo de tentar algo novo. Quando nos é entregue uma folha em branco, ficamos perdidos, sem saber o que fazer, com uma mente cansada e condicionada a pensar apenas de acordo com o que foi imposto ao longo dos anos. Esse processo de restrição mental nos impede de pensar livremente, e vivemos, então, sem a arte, que é uma das formas mais poderosas de expressão e autodescoberta.
Viver sem arte é perder a chance de ter uma liberdade pessoal nas suas escolhas. A arte nos proporciona a liberdade de criar sem a necessidade de seguir padrões, de errar sem culpa, de explorar possibilidades sem medo de falhar. Ao nos engajarmos nesse processo criativo, temos a oportunidade de fazer escolhas autênticas, de afirmar quem somos sem as limitações do que foi esperado de nós. A arte não só nos permite nos expressar, mas nos liberta das amarras de uma vida moldada pelas expectativas, permitindo-nos reescrever nossa própria história e encontrar liberdade nas nossas próprias decisões.
Romper o sentimento de frustração é um processo longo e gradual. Quanto mais demoramos a enfrentá-lo, mais difícil se torna viver sem estar aprisionado a esse sentimento. Muitas pessoas, ao longo da vida, podem chegar ao fim de seus dias sem saber o que fazer ao se depararem com uma tela em branco, sentindo-se perdidas, sem saber por onde começar. No entanto, lidar com a frustração é justamente encontrar a resposta para esse bloqueio. É ter a coragem, a liberdade e a segurança de olhar para o vazio e vê-lo não como um obstáculo, mas como uma oportunidade.
Essa tela em branco, longe de ser um empecilho, representa um grande espaço de expansão pessoal. É nela que temos a chance de recomeçar, de explorar nossas ideias sem limitações. Enfrentar a frustração significa abraçar a possibilidade de criar sem a pressão de fazer tudo certo, de deixar o medo de lado e permitir-se ser livre para transformar o vazio em algo único e pessoal. Ao encontrar essa liberdade dentro de si, somos capazes de encarar qualquer desafio com mais confiança, sabendo que a verdadeira criação começa quando nos libertamos da ideia de perfeição e aceitamos o processo como uma jornada de autodescoberta.