Condutas etaristas no meio ambiente de trabalho

por | 1 de julho de 2024 | Carreira Sênior, Vida e Carreira

Por Yumara Lúcia Vasconcelos 

Tratar sobre condutas etaristas nos remete ao tema preconceito, conceito que não se nutre de fatos, muito menos da ciência, mas que, por suas generalizações infrutíferas, entrega uma falsa racionalidade que é tão artificial como destrutiva. Estranhamente, o preconceito sequer tem origem em uma experiência real, concreta ou efetiva da pessoa preconceituosa.  

Para os autores Leandro Karnal e Luiz Estevam de Oliveira Fernandes, “O preconceito nasce sem que necessite de dados objetivos. O preconceito, antes de tudo, vem de alguém com uma limitação intelectual conjectural — porque não conhece —, e que deduz sobre o vazio.” (Karnal e Fernandes, 2023, p.10) 

No meio ambiente de trabalho, o preconceito etarista se apresenta de diferentes modos, a exemplo do isolamento social, da retirada de atividades, das brincadeiras lesivas à dignidade da pessoa idosa, do assédio crítico, da infantilização do tratamento. Essa relação, por certo, não é exaustiva.  

Algumas abordagens, inclusive, se dão de forma tão sutil e mascarada que interpretamos essas ocorrências como manifestação de afeto e cuidado. É o caso da infantilização das pessoas mais velhas. 

A infantilização das pessoas mais maduras no ambiente de trabalho é um comportamento marcadamente capacitista. Há outras maneiras de manifestar carinho e respeito, se for este o propósito.  

Comportamentos capacitistas, intencionais ou não quanto ao resultado produzido, desvalorizam e descredibilizam, disseminando imagens que reforçam estereótipos negativos. 

Não podemos esquecer que o envelhecimento é, geralmente, relacionado a lentidão, dependência crescente, desatualização, carência, declínio de aptidão física, senilidade, demência, dentre outros sentidos.  

A pessoa idosa, ou socialmente rotulada de idosa, capta esses significados. Essa captura mental é nefária porque incute um juízo de valor demeritório. Nem todos/todas resistem a ela, assimilando-as de forma determinística, passando a acreditar nessas percepções equivocadas. 

Becca Levy afirma que, “A persistência de visões negativas de idade tem causas tanto individuais quanto estruturais. Embora sejam diferentes, ambas estão profundamente arraigadas. No nível individual, existem vários processos psicológicos que facilitam a expressão do etarismo sem que pensemos a respeito dele. Estruturalmente, o etarismo está nas instituições e nas pessoas com poder.” (Levy, 2022, p.156) 

As autoras Denise Maria Lopes Zanutto e Daniela Menengoti Gonçalves Ribeiro destacam que, “De uma forma geral, os estereótipos são rótulos, percepções automáticas, socialmente partilhadas e têm origem nos relacionamentos sociais. São descritos como organizados, rígidos, simplistas, errôneos e com elevado grau de generalização, podendo ser positivos ou negativos.” (Zanutto e Ribeiro, 2022, p.23) 

O etarismo é tão invasivo que desencadeia a autoestereotipização, transformando negativamente a nossa relação com o corpo e nossa identidade, reproduzindo desvalor, sofrimento íntimo e opressão.  

Não naturalize o sofrimento! 

A discriminação baseada na idade nos recria e amolda segundo os padrões estéticos e sociais do que se considera belo. 

Por exemplo, manter os cabelos grisalhos é lido como descuido, fazendo ‘decair’ o nosso valor de mercado. Sim! Passamos de sujeitos a mercadorias! Quando os sinais do envelhecimento saltam aos olhos, o corpo da pessoa que envelhece é aprisionado pela crítica ofensiva e depreciativa, que determina seu modo de agir, vestir e existir para o mundo.  

Por essa mesma perspectiva de pensamento, Fran Winandy ressalta que “Em geral as pessoas procuram corresponder à expectativa social em relação ao comportamento apropriado para a sua idade. Porém, essas expectativas variam em função de condições culturais, econômicas e sociais.” (Winandy, 2021, p. 20) 

A aceitação passa a se impor no plano mental da pessoa idosa como fator de empregabilidade. Seja aceito/aceita ou pereça! Pois é, essa ditadura de corpos é uma das faces mais cruel do etarismo ou ageísmo. 

Percebam que não é o processo de amadurecimento que nos coloca nesse lugar de restrição, de interdição, de marginalização, de inferioridade e vulnerabilidade mas sim, o preconceito pelo qual a sociedade é responsável, inclusive o próprio sujeito que o reproduz. Somos partes dessa engrenagem, ao mesmo tempo que nos tornamos produto dessa dinâmica que subalterniza a nossa existência, além de nos separar e hierarquizar. 

“Frise-se que o ageísmo está associado ao desrespeito, ao tratamento injusto, às suposições falsas sobre alguém, ao sentimento de invisibilidade, afetando negativamente a confiança, a situação financeira, a saúde e a qualidade de vida de uma pessoa.” (Zanutto e Ribeiro, 2022, p.21) 

O repertório etarista no ambiente de trabalho é variado: “Ah! Estou muito velha pra isso”; “Comecei a estudar depois de velha”; “Ele/Ela é velho(a) para esse trabalho”; “Ele/ Ela não dá conta”; “Ele/Ela é lento e com essa idade então…”; “Ela/Ela deveria estar em casa cuidando dos netos ou fazendo tricô”; “O tempo que eu gasto ajudando esse/velha velho(a), deveria receber um salário a mais”; “Velho(a) chato(a)/insuportável!”; “O seu tempo aqui  já passou.”; “Você precisa descansar.”; “Já é tempo de você se aposentar.”; “Essa roupa não fica legal  você”; “Essa roupa não é adequada pra você, especialmente no ambiente de trabalho”; “Não dá esse serviço pra ele porque vai atrasar tudo”; ”Não me sinto com 50 anos”;  “Você precisa dar um tempo, fazer outras coisas, viver outras experiências.”; “Tio/Tia”; “Vô/Vó” etc. Observe que essas falas produzem um “não lugar” para a pessoa idosa, decretando a finalização de jornadas. 

É assim que a pessoa idosa e aquela definida como tal tem a sua autoestima afetada e, infelizmente, tem sido assim que envelhecer tornou-se uma experiência sofrida, pesarosa e lamentada.  

É também nesse passo que a idade subjetiva tem denunciado uma idade cronológica, muitas vezes, maior que aquela experenciada de fato pelas pessoas mais velhas.   

Fran Winandy nos ensina que “A idade subjetiva ajuda a compreender as incongruências entre a imagem que temos de nós e a que os outros têm. Ela faz com que o indivíduo tenha a impressão de vivenciar uma idade diferente de sua idade cronológica real.” (Winandy, 2021, p. 21) 

Precisamos reconhecer que envelhecemos e respondemos ao processo de envelhecimento de modo diferente, afinal envelhecer é uma experiência pessoal, ainda que influenciada por diversos fatores, a exemplo daqueles de natureza biológica, social e cultural.  

Envelhecer dignamente é um direito de todos e todas.  

Yumara Lúcia Vasconcelos é pós doutora em Direitos humanos (UFPE- Universidade Federal de Pernambuco), doutora em Administração (UFBA- Universidade Federal da Bahia), mestre em Ciências Contábeis (Fundação Visconde de Cairu), bacharela em Direito e Ciências Contábeis. Especialidades na área jurídica: Direito civil e em Filosofia e Teoria do Direito.