Por Yumara Lúcia Vasconcelos
O ciclo profissional (de produtividade) apresenta- se cada vez mais reduzido, produzindo mudanças drásticas no padrão, estilo e expectativa de vida de trabalhadores e trabalhadoras.
Essa constrição estrutural afeta de forma contundente o provimento do sustento da pessoa idosa, ou considerada idosa, apta ao trabalho e que precisa trabalhar para sobreviver. Aposentar-se, nesse contexto, torna-se um desafio.
O sarrafo da empregabilidade tem como um dos parâmetros mais excludentes a idade, sobrepondo-se, inclusive, às competências desenvolvidas ao longo de trajetórias bem-sucedidas. Esses comandos não escritos, amplamente executados e naturalizados em nossa sociedade, são exemplos de práticas etaristas.
A idade, o gênero, a cor de pele, a classe social, a orientação sexual, a religião e a estética são variáveis discriminativas que atravessam o fenômeno do etarismo, interseccionalidades determinam modos distintos de envelhecer.
A categorização geracional, embora não assumida, muitas vezes maquiadas pelo verniz sociais do politicamente correto, representa um dado da realidade de muitas organizações aparentemente inclusivas.
O paradigma demográfico, marcado pelo crescimento do número de pessoas idosas no país, ao que parece, não tem sido suficiente para provocar uma atitude disruptiva relativamente à maneira como os nossos idosos são tratados.
A expectativa de adoecimento e do declínio da capacidade cognitiva prevalecem sobre qualidades como maturidade, comprometimento, responsabilidade e confiabilidade, superando, inclusive, o valor de competências essenciais (a exemplo do conhecimento e experiência profissional). Infelizmente, tal constatação diz muito sobre a natureza do etarismo, que é o preconceito baseado em visões estereotipadas, generalizadas sem qualquer respaldo na experiência vivida, ou mesmo, em fatos observados.
Apesar da insuficiente atenção à pauta, o tema é merecedor de destaque e da presença na agenda de debates, especialmente em razão do seu potencial destrutivo, lesivo à dignidade das pessoas mais Velhas. Pois é, o etarismo não somente exclui mas, também promove a desvalorização e o apagamento de trajetórias, esvaziando narrativas e repertórios de vida.
Ao produzir esse ‘não – lugar’ na própria história, o etarismo silencia e destrói a autoestima da pessoa idosa e daquela socialmente classificada como tal, que passa a se perceber sem um passado reconhecido, sem um protagonismo no presente e sem a perspectiva de um futuro digno. A exclusão etária observada em muitos ambientes de trabalho é a ponta do iceberg da violência, que tem significativa profundidade existencial.
No ambiente profissional, o etarismo se manifesta de diferentes maneiras:
- pelo desdém dirigido ao corpo que envelhece (estranhamento);
- pelos rótulos que desqualificam (estereótipos depreciativos);
- pelas correlações capacitistas (talento/juventude/personalidade digital ativa/flexibilidade; idoso(a)/declínio/inflexibilidade/afastamentos/absenteísmo);
- pelo assédio crítico motivado pelo preconceito;
- pela desnaturalização do processo de envelhecimento;
- pelo medo (alimentado e induzido) de envelhecer;
- pelo sentimento de fracasso e solidão fomentados no âmbito das relações corporativas;
- pela sensação de desamparo e desprestígio social produzido;
- pelo incentivo teatral e calculado à adesão a Programas de Demissão Voluntária;
- pela “aposentadoria compulsória” engendrada sob o pretexto de renovação de pessoal (oxigenação);
- pela apropriação da categorização geracional para segregar e despotencializar a coesão e o contrapoder de resistência;
- pela infantilização que mascara o desvalor pelo trabalho;
- pela expectativa social de declínio repercutida nos processos, procedimentos e tomada de decisão etc.
As linhas de expressão contam a nossa história, marcando uma existência plena. Essa compreensão perpassa qualquer padrão estético produzido artificialmente. O etarismo é tão pervasivo e perverso que alcança e manipula o autoconceito da pessoa que envelhece, mobilizando seus afetos e emoções.
A beleza na senioridade tem profundidade, sabedoria e significado. Precisamos resgatar esse sentido e com ele, a autoestima e a felicidade de existir como realmente somos.
As experiências de envelhecimento são singulares. Embora as representações sociais estejam em transformação, as visões negativas da idade predominam, principalmente no mundo do trabalho. É por esta razão que as ações antietaristas devem sensibilizar e conscientizar as pessoas , promovendo a empatia emocional e cognitiva, bem como o interesse empático. Não se limitam, portanto, à elaboração de cartilhas educativas, ou mesmo, ao patrulhamento da comunicação organizacional.
A empatia cognitiva nos habilita a ler a realidade sob prismas diferentes (racionalidade empática), já a empatia emocional representa a nossa sensibilidade ante os sentimentos do outro, ativando estados emocionais que nos sintonizam verdadeiramente, ensejando uma conexão genuína. O interesse empático é o elo finalístico que aguça a nossa percepção acerca das expectativas de resposta ao problema.
A transformação verdadeira se opera a partir do reconhecimento da violência, seguida pelo seu enfrentamento, ressignificação e engajamento em prol da mudança atitudinal e comportamental das pessoas na organização. Significa dizer que a mera realização de dinâmicas isoladas e capacitações, contemplando pautas antidiscriminatórias podem não ser efetivas. A questão que se coloca é: o quão se almeja essa efetividade? As práticas antidiscriminatórias não devem visar primariamente a mitigação do risco judicial, mas a promoção da qualidade de vida no meio ambiente de trabalho. Dito de outra forma, devem promover o trabalho digno. A conformidade legal é uma consequência natural. Precisamos conversar sobre etarismo no ambiente de trabalho!